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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

os taumaturgos do poder judicial e os habitantes de Pasárgada

Os taumaturgos do poder judicial e os habitantes de Pasárgada
Manuel da Costa Andrade, o professor de Direito Penal da Universidade de Coimbra, porventura a personalidade académica tecnicamente mais capaz de elaborar um discurso simples, autorizado e compreensível sobre o fenómeno das escutas telefónicas, escreveu um artigo de página, no Público de hoje.
Em linguagem guerrilheira, a lembrar os artigos desse outro maquisard que dá pelo nome de Noronha do Nascimento, atira-se a este como gato escaldado a bofe quente.
O artigo só falta dizer explicitamente que Noronha e Monteiro que com ele concorda "a cem por cento", são ignorantes do Direito básico do bom senso jurídico.
Porque diz o resto que é preciso dizer e é assim:
" A começar, uma escuta, autorizada por um juiz de instrução no respeito dos pressupostos materiais e procedimentais prescritos na lei, é, em definitivo e para todos os efeitos, uma escuta válida. Não há no céu-no céu talvez haja!- nem na terra, qualquer possibilidade jurídica de a converter em escuta válida ou nula. Pode, naturalmente, ser mandada destruir, já que sobra sempre o poder dos factos ou o facto de os poderes poderem avançar à margem da lei ou contra a lei. Mas ela persistirá, irreversível e "irritantemente", válida! "
É assim que Costa Andrade resume o seu escrito hoje no Público, sobre as polémicas escutas consideradas nulas pelo presidente do STJ deste país, pobre e remediado e que ainda por cima tem um procurador-geral em sintonia, a "cem por cento", com esse presidente do STJ.
Diga-se desde já que os magistrados do tribunal de Aveiro estão de parabéns e o procurador da República, João Marques Vidal tem aqui um excelente contributo para sustentar a invalidade do despacho do PGR e não acatar a eventual ordem ou instrução recebida, por violação da consciência jurídica do senso comum que Costa Andrade representa. E que colocou entre umas curiosas aspas, o advérbio "irritantemente"!
E continua o professor de Direito:
" Sendo válida, o que pode e deve questionar-se é- coisa radicalmente distinta- o respectivo âmbito de valoração ou utilização. Aqui assoma uma outra e irredutível evidência: para além do processo de origem, ela pode ser utilizada em todos os demais processos, instaurados ou a instaurar e relativos aos factos que ela permitiu pôr a descoberto, embora não directamente procurados ( "conhecimentos fortuitos"). Isto se- e só se- estes conhecimentos fortuitos se reportarem a crimes em relação aos quais também se poderem empreenderem escutas. Sejam, noutros termos, "crimes do catálogo".
De qualquer forma, e com isto se assinala uma outra evidência, a utilização/valoração das escutas no contexto e a título de conhecimentos fortuitos não depende da prévia autorização do juiz de instrução: nem do comum juiz de instrução que a lei oferece ao cidadão comum, nem do qualificado juiz de instrução que a lei dispensa - em condições de total igualdade, descontada esta diferença no plano orgânico-constitucional- aos titulares de órgãos de soberania. De forma sincopada: em matéria de conhecimentos fortuitos, cidadão comum e órgãos de soberania estão, rigorosamente, na mesma situação.Nem um, nem outro gozam do potencial de garantia própria da intervenção prévia de um juiz de instrução a autorizar escutas. "
Esta vai direitinha para os apaniguados do partido que tocaram a reunir, com medo do fogo que lhes chega aos cargos e prebendas e que se aprestaram a anunciar a ilegalidade "óbvia" e até o efeito de espionagem que isto representa.
E diz ainda Costa Andrade:
" Uma outra e complementar evidência soa assim: as escutas podem configurar, no contexto do processo para o qual foram autorizadas e levadas a cabo, um decisivo e insuprível meio de prova. E só por isso é que elas foram tempestivamente autorizadas e realizadas. Mas elas podem também configurar um poderoso e definitivo meio de defesa. Por isso é que, sem prejuizo de algumas situações aqui negligenciáveis, a lei impõe a sua conservação até ao trânsito em julgado. Nesta precisa medida e neste preciso campo, o domínio sobre as escutas pertence , por inteiro e em exclusivo, ao juiz de instrução do localizado processo de origem. Que naturalmente, continua a correr os seus termos algures numa qualquer Pasárgada, mais ou menos distante de Lisboa".
E pumba! Um tiro em cheio no porta-aviões do despacho do presidente do STJ que mandou destruir as escutas. Os habitantes de Pasárgada devem agradecer e respeitar o parecer que até adianta a título cautelar que " não se imagina- horribile dictum-ver as autoridades superiores da organização judiciária a decretar a destruição de meios de prova que podem ser essenciais para a descoberta da verdade. Pior ainda se a destruição tiver também o efeito perverso de privar a defesa de decisivos meios de defesa.
Por ser assim, uma vez recebidas as certidões ou cópias, falece àquelas superiores autoridades judiciárias, e nomeadamente ao presidente do STJ, legitimidade e competência para questionar a validade de escutas que, a seu tempo, foram validademente concebidas, geradas e dadas à luz. Não podem decretar retrospectivamente a sua nulidade. O que lhes cabe é tão-só sindicar se elas sustentam ou reforçam a consistência da suspeita de um eventual crime de catálogo imputável a um titular de órgão de soberania. E nesse sentido e para esse efeito, questionar o seu âmbito de valoração ou utilização legítimas. O que não podem é decretar a nulidade das escutas: porque nem as escutas são nulas, nem eles são taumaturgos."
Isto, escrito assim, por quem escreve, é demais. Não me lembra de ler uma porrada tão violenta assente no lombo jurídico das duas sumidades mais elevadas na nossa autoridade judiciária: o presidente do STJ e o PGR, curiosamente ambos juízes do "cível".
Incrível. E tanto mais incrível será , se se confirmar que o despacho jurisdicional que Costa Andrade contesta e entende contrário ao direito, foi proferido num "dossier" administrativo.
Isso, a confirmar-se, seria a negação do Estado de Direito, pelo seu mais elevado representante no Poder Judicial.

sábado, 14 de novembro de 2009

Carta Aberta ao nosso Primeiro

Carta aberta ao primeiro-ministro José Sócrates
Autor: João Miguel Tavares

Excelentíssimo senhor primeiro-ministro: Sensibilizado com o que tudo indica ser mais uma triste confusão envolvendo o senhor e o seu grande amigo Armando Vara, venho desde já solidarizar-me com a sua pessoa, vítima de uma nova e terrível injustiça. Quererem agora pô-lo numa telenovela - perdoe-me o neologismo - digna do horário nobre da TVI é mais um sintoma do atraso a que chegámos e da falta de atenção das pessoas para as palavras que tão sabiamente proferiu aquando do último congresso do PS:”Em democracia, quem governa é quem o povo escolhe, e não um qualquer director de jornal ou uma qualquer estação de televisão.” O senhor acabou de ser reeleito, o tal director de jornal já se foi embora, a referida estação de televisão mudou de gerência, e mesmo assim continuam a importuná-lo. Que vergonha.Embora no momento em que escrevo estas linhas não sejam ainda claros todos os contornos das suas amigáveis conversas, parece-me desde já evidente que este caso só pode estar baseado num enorme mal-entendido, provocado pelo facto de o senhor ter a infelicidade de estar para as trapalhadas como o pólen para as abelhas - há aí uma química azarada que não se explica. Os meses passam, as legislaturas sucedem-se, os primos revezam-se e o senhor engenheiro continua a ser alvo de campanhas negras, cabalas, urdiduras e toda a espécie de maldades que podem ser orquestradas contra um primeiro-ministro. Nem um mineiro de carvão tem tanto negrume à sua volta. Depois da licenciatura na Independente, depois dos projectos de engenharia da Guarda, depois do apartamento da Rua Braamcamp, depois do processo Cova da Beira, depois do caso Freeport, eis que a “Face Oculta”, essa investigação com nome de bar de alterne, tinha de vir incomodar uma pessoa tão ocupada. Jesus Cristo nas mãos dos romanos foi mais poupado do que o senhor engenheiro tem sido pela joint venture investigação criminal/comunicação social. Uma infâmia.Mas eu não tenho a menor dúvida, senhor engenheiro, de que vossa excelência é uma pessoa tão impoluta como as águas do Tejo, tirando aquela parte onde desagua o Trancão. E não duvido por um momento que aquilo que mais deseja é o bem do Pais. É isso que Portugal teima em não perceber: quando uma pessoa quer o melhor para o País e está simultaneamente convencida de que ela própria é a melhor coisa que o País tem, é natural que haja um certo entusiasmo na resolução de problemas, incluindo um ou outro que possa sair fora da sua alçada. Desde quando o excesso de voluntarismo é pecado? Mas eu estou consigo, caro senhor engenheiro. E, com alguma sorte, o procurador-geral da República também. Atentamente, JMT.

domingo, 8 de novembro de 2009

Sai um processo disciplinar?

Estado usa carros apreendidos e cobra despesas de manutenção quando os devolve
por Alexandre Soares, Publicado em 07 de Novembro de 2009

A lei permite que os veículos apreendidos sejam usados apenas para trabalho. Marinho Pinto denuncia dezenas de casos. Nenhum inquérito foi aberto na PJ ou na PSP

A inspectora da Polícia Judiciária brincava com os filhos numa praia da linha de Cascais. Era fim-de-semana e o seu Mercedes estava estacionado junto à estrada marginal. Acontece que o carro não pertencia à inspectora. Por coincidência, o verdadeiro proprietário do mesmo - a quem fora apreendido durante uma investigação - estava na mesma praia. Viu a inspectora e os filhos entrarem no seu carro depois do dia de praia, mas nada pôde fazer, apesar de o Mercedes estar a ser usado ilegalmente. A lei prevê que os organismos do Estado usem carros apreendidos, mas especifica que tal utilização se resume a fins profissionais.Esta é apenas mais uma das muitas "situações absolutamente inadmissíveis e escandalosas que acontecem há anos" e que o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, denuncia. Além desta, o bastonário conhece várias outras situações em que considera "não ser respeitado o princípio de presunção de inocência". Há dezenas de situações semelhantes em todo o país, acrescenta.
Ao i, o Ministério da Administração Interna (MAI), a Polícia de Segurança Pública (PSP), a Polícia Judiciária (PJ) e a Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP) admitem que este tipo de casos acontece com frequência. No entanto, o i sabe que, pelo menos em 2008 e 2009, nenhum inquérito por uso indevido de viatura pelo Estado foi aberto na PSP ou na PJ. Apesar das acusações, as autoridades garantem que a esmagadora maioria das vezes a legislação é cumprida. Segundo a lei, alterada há 24 anos, 90 dias depois de cada apreensão é comunicada à Direcção-Geral do Património do Estado (DGPE) toda a informação sobre os veículos. A partir deste momento ficam à disposição da DGPE, que deve tomar "as providências necessárias à sua conservação", com condições de utilização iguais às de todos os veículos do Estado: exclusivamente em trabalho. Além disso, deve ser mantido um registo com "todas as alterações, reparações e despesas efectuadas". Foi a esse registo que a PJ recorreu quando cobrou 1165 euros pela manutenção de um BMW apreendido no momento em que a sua proprietária recuperava o carro - e apesar de estar inocente. Quando o filho foi acusado de tráfico de droga, a PJ aprendeu o carro. Logo na primeira instância, o tribunal declarou que o veículo nada tinha a ver com o processo e ordenou a sua devolução. No entanto, só quando o caso transitou em julgado, passados três anos, é que o carro foi devolvido. Foi nessa altura que a dona do BMW descobriu que em sete meses a PJ fizera 6 mil quilómetros e levara a viatura seis vezes à manutenção no stand da marca. Apesar de a lei ditar que "os proprietários [...] pagarão as despesas de remoção, taxas de recolha, multas e demais encargos não relacionados com a utilização da viatura pelo Estado", a dona do BMW recebeu em casa a conta da manutenção.Mas há outros exemplos. A 23 de Junho de 2001, dois cidadãos polacos foram detidos e a carrinha onde seguiam, uma Ford Transit azul com três meses e 25 mil quilómetros, imediatamente apreendida. Nos autos só foi registada 12 meses depois, com 138,25 mil quilómetros. Oito anos passados, o julgamento chegou ao fim com a absolvição dos dois polacos. A advogada foi notificada para levantar a Ford Transit, sob pena de ter de pagar o valor do depósito. "A carrinha estava toda amolgada, com os plásticos comidos, desfeita, e não andava - um trabalho próprio de gangsters", descreve Marinho Pinto. Mudança
A lei foi alterada para permitir a utilização de carros apreendidos em 1985, quando centenas de modelos à guarda do Estado foram declarados sem reparação possível. Na altura "pretendeu-se evitar que os veículos...] permanecessem longos períodos sem utilização, ficando reduzidos pelo tempo - e, muitas vezes, pela intempérie - a destroços sem utilidade", explica ao i o presidente da ASPP. Paulo Rodrigues revela ainda que, mesmo assim, "largas dezenas de veículos vão para as sucatas todos os anos". Quem é vítima de um destes casos pode processar o Estado. O Estado responde "como possuidor de boa fé".

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